16 de set. de 2010

Estudos de nutrigenômica revelam propriedades terapêuticas de gorduras insaturadas

Dieta rica em ômegas-3 e 9 interrompe e reverte processo inflamatório que causa a perda do controle da fome
Por Cristiane Paião
Especial para o JU


Pesquisa realizada no Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp revela como a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9, presentes respectivamente na semente de linhaça e no azeite de oliva, é capaz não apenas de interromper como também reverter o processo inflamatório causado por dietas ricas em gorduras saturadas numa região do cérebro chamada hipotálamo, responsável pelo controle da fome e do gasto energético, que ocasiona a perda deste controle neural e abre espaço para o desenvolvimento da obesidade. O estudo revelou ainda, em descrição inédita na literatura, que o ômega-9, ao contrário do que se sabia até o momento, é mais potente em reverter essas condições do que o ômega-3, reconhecido como um clássico anti-inflamatório. A pesquisa, que acaba de ganhar o primeiro lugar no Prêmio Henri Nestlé, certame nacional de grande impacto na área da nutrição, foi realizada por Dennys Esper Cintra, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp em Limeira, e por Lício Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, coordenador do Labsincel.


Estudos recentes mostram que dietas ricas em gorduras saturadas – como as presentes nas carnes bovina e suína, e em seus derivados como leite, queijos e manteiga – lesionam o hipotálamo ao darem início a um tipo de inflamação local que acaba influenciando em seu funcionamento. Esse processo inflamatório, quando prolongado, pode causar a morte de neurônios e, consequentemente, a perda deste controle neural. Uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções, ao ter reduzida a sua capacidade de “percepção” entre o momento de sinalizar para o organismo a estocagem ou a queima de energia.

Pesquisas anteriores do grupo haviam revelado que tal inflamação é desencadeada por um receptor do sistema imune denominado Toll-Like Receptor 4 (TLR4). Este receptor é capaz de reconhecer uma substância presente na parede celular de bactérias, e, quando ativado, produz citocinas que causam inflamação. Demonstrou-se que essa substância presente na parede de bactérias também está presente nos alimentos ricos em gorduras saturadas. Quando consumidas em larga escala, como é o caso das dietas ocidentais, essas grandes quantidades de gordura são capazes de sensibilizar esses receptores, simulando uma infecção.

“Isso ocorre por todo o organismo, mas quando essas gorduras encontram esses receptores no hipotálamo, o estrago pode ser maior, pois é ali que se encontra a caixa-preta do nosso balanço energético” diz o pesquisador. Logo, algumas pessoas, quando expostas a dietas hipercalóricas, perdem gradativamente o controle da fome e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas com o decorrer do tempo.

Os ensaios nutrigenômicos realizados por Cintra em modelos experimentais comparou a ação dos ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9 no hipotálamo de camundongos obesos e diabéticos e demonstrou que essas substâncias são capazes não apenas de atenuar a inflamação e restabelecer o processo de sinalização celular que controla o apetite como também de interromper os sinais de morte celular que vinham se instaurando.

Durante o tratamento com os ômegas, a sinalização da insulina e leptina (hormônios que indicam ao cérebro que há a presença de nutrientes e que está na hora de parar de comer) perdida em animais obesos e diabéticos foi restabelecida. Houve restauração de todo o perfil metabólico dos animais, culminando em perda de peso.

A pesquisa mostrou, no entanto, que para que os resultados sejam efetivamente alcançados é preciso uma ingestão contínua desses nutrientes, somada à descontinuidade da ingestão elevada de alimentos ricos em gordura saturada, ou seja, é preciso que haja uma reeducação alimentar, pois, uma vez interrompido o tratamento, os neurônios voltam a sofrer o processo de apoptose (morte celular).

No estudo, inicialmente, induziu-se a obesidade e diabetes nos animais, por meio da ingestão de uma dieta altamente calórica, rica em gorduras saturadas, bastante semelhante à consumida atualmente por populações ocidentais. Numa segunda etapa, quando do início do tratamento, os animais foram distribuídos em grupos que receberam dietas acrescidas de ômega-3 ou ômega-9, em concentrações crescentes. É sabido que a simples redução no consumo de gorduras saturadas já é o suficiente para a melhora no perfil metabólico em diversas espécies, inclusive em humanos.
Contudo, quando tais ácidos são ainda agregados à alimentação, os processos negativos gerados no hipotálamo pelo consumo crônico da gordura saturada melhoraram de forma exuberante. Houve recuperação do comportamento alimentar adequado, devido principalmente ao aumento na expressão de proteínas anti-inflamatórias e anti-apoptóticas, além da redução significativa na expressão de marcadores pró-inflamatórios e pró-apoptóticos no hipotálamo dos camundongos.

Para confirmar a ação específica dos ácidos graxos ômega-3 e 9, os pesquisadores infundiram as substâncias diretamente no hipotálamo de animais obesos, e observaram redução imediata no consumo de alimentos. Após uma semana de infusão direta no hipotálamo, os animais já tinham perdido mais de 10% do seu peso corporal.

Gasto energético
Somado a estes fatores, ambos os experimentos demonstraram que a perda de peso não se deveu apenas à recuperação do controle nervoso da fome, mas também porque tais substâncias aumentaram o gasto energético dos animais. Quando infundido diretamente no hipotálamo, ou mesmo quando consumidos por via oral, ambos, ômega 3 e 9, aumentam no tecido adiposo marrom a expressão de uma proteína chamada UCP-1, que é responsável pelo aumento do gasto energético. Com isso, a atividade das proteínas da via da insulina e da leptina foi restaurada. Os animais se tornaram muito mais tolerantes à glicose e também mais sensíveis às ações da insulina, antes prejudicada pela obesidade.

Outro fato surpreendente foi demonstrado nesse estudo. “Como dito anteriormente, os ômegas foram suplementados nas dietas em várias concentrações. A resposta mais interessante se demonstrou nos grupos que receberam as menores concentrações na dieta, tanto de ômega-3 quanto de ômega-9. Embora os animais diabéticos não tenham deixado de ser diabéticos, a glicemia foi reduzida de forma expressiva e se tornou controlável através apenas da alimentação nesses grupos”, revelou Cintra.

O impacto da substituição dos ácidos graxos na variação do peso corporal foi dependente da composição, mas não do tipo de ácido graxo. “Observamos que quando os animais consumiam esses ácidos graxos, ou quando aplicávamos diretamente no hipotálamo, a inflamação era finalizada. Os sinais de insulina e leptina enviados pela periferia chegavam até o hipotálamo e cumpriam a obrigação deles informando ao organismo que já havia nutrientes em quantidade suficientes, e que a fome deveria desaparecer”, explicou Cintra.As concentrações testadas nas dietas correspondentes aos melhores resultados são quantidades passíveis de consumo no dia a dia, por meio de um acréscimo natural desses alimentos em nossas refeições diárias, sem a necessidade de suplementos alimentares. Alimentos como semente de linhaça marrom, óleo de soja, sardinha e canola apresentam custos razoáveis e também excelentes fontes de ômega-3. Da mesma forma, o azeite de oliva, óleo de soja, abacate e amendoim são fontes saudáveis de ômega-9.


Perspectivas
Além de mostrar que os ácidos graxos ômega-3 e ômega-9 são capazes de interromper os sinais de morte celular, inibir a inflamação e restabelecer a sinalização celular das vias da leptina e da insulina, o trabalho trouxe evidências de que esses ácidos podem desencadear também um estímulo à gênese de novos neurônios, num processo chamado de neurogênese.

A próxima empreitada será investigar a possibilidade dessa síntese de novos neurônios, e verificar se tais ácidos graxos possuem a capacidade de exercer plasticidade sobre os neurônios afetados de indivíduos obesos, revertendo assim o processo de morte instaurado pelos ácidos graxos saturados. “Precisamos descobrir se essa plasticidade ocorre no local onde os neurônios foram mortos pelo excesso de gordura saturada. Ainda não sabemos até que ponto, e nem porque razão, mas o ômega-3 é capaz de estimular a multiplicação de neurônios. O estudo indicou que o ômega-3 pode ter sido o responsável pela regeneração daqueles neurônios que já haviam morrido naquela região do hipotálamo. O próximo passo será descobrir se o ômega-3 é mesmo capaz de restabelecer os neurônios controladores da fome, e assim devolver ao indivíduo a capacidade perdida de controlar sua fome após ele ter se tornado obeso”, concluiu Cintra.

Isto torna o assunto em questão ainda mais delicado: como a morte dos neurônios pode ser irreversível – os estudos na área ainda são muito incipientes – a possibilidade de o vício ou a compulsão por comidas gordurosas e altamente calóricas acontecer pode ser ainda mais grave. De acordo com Cintra, é preciso que cada vez mais políticas públicas de prevenção à obesidade sejam implantadas, e que haja todo um esforço de reeducação alimentar entre a população, desde a infância. “Uma vez que a pessoa se torna obesa, fica difícil reverter o processo de obesidade, ou, ao menos, de devolvê-la o controle da fome. Mesmo com o enorme avanço da ciência, esta ainda se encontra de mãos atadas em relação à obesidade. Ainda não temos nenhuma saída satisfatória para a doença, por isso é tão importante a prevenção. O indivíduo não pode se tornar obeso, porque a partir desse momento ele pode estar entrando em um caminho sem volta”, afirma Cintra.

Por esta razão, a melhor saída continua sendo, de acordo com cientistas e especialistas, investir em programas de conscientização, reeducação alimentar, e de estímulos às práticas de atividades físicas, para assim, tentar evitar que a obesidade atinja um patamar irreversível.
*Reportagem originalmente publicada no Jorna da Unicamp, disponível em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/setembro2010/ju474_pag07.php#

Gordura insaturada pode ajudar na perda de peso em pessoas obesas

Os ácidos graxos ômega-3 e ômega-9 restauram conexões cerebrais responsáveis pelo controle da fome
Por Aretha Yarak
Revista Veja

Gordura pode ajudar a perder peso? Dependendo do tipo, pode sim. Segundo pesquisa conduzida na Universidade de Campinas (Unicamp), os ácidos graxos insaturados ômega-3 e ômega-9, encontrados na semente de linhaça e no azeite de oliva, respectivamente, são capazes de reverter um processo que acontece no cérebro (mais especificamente no hipotálamo) e acaba desequilibrando a função de controle da fome e do gasto energético.

O raciocínio é simples. Dietas ricas em gorduras saturadas (presentes na carne bovina, no leite, no queijo e na manteiga) causam uma inflamação no hipotálamo que, quando prolongada, pode causar a morte de neurônios do local. Com a falência dessas células, o hipotálamo perde parte de suas funções. O resultado é uma redução significativa da capacidade de “percepção” do cérebro, que se confunde ao sinalizar para o organismo a estocagem ou a queima de energia.

“Isso ocorre por todo o organismo, mas quando essas gorduras encontram determinados receptores no hipotálamo, o estrago pode ser maior, pois é ali que se encontra a caixa-preta do nosso balanço energético”, diz Dennys Esper Cintra, um dos responsáveis pela pesquisa. Isso significa que, quando expostas a dietas hipercalóricas, algumas pessoas perdem gradativamente o controle da fome e passam a consumir mais calorias do que gastam, tornando-se obesas.

Mas esses dois ácidos graxos podem reverter a situação. Durante as pesquisas, os ômegas conseguiram restabelecer as conexões neurais, reorganizando a função metabólica do organismo. Quando interrompido o tratamento, no entanto, os neurônios voltaram a morrer. O que levou os pesquisadores a uma solução simples: somente a reeducação alimentar pode garantir uma perda de peso duradoura.

Há ainda um outro papel importante na redução do peso. Segundo o estudo, o ômega-3 e o ômega-9 aumentam no tecido adiposo marrom uma proteína chamada UCP-1 (responsável pelo aumento do gasto energético). Com isso, as atividades normais de outras proteínas locais foram restauradas. Assim, os animais se tornaram mais tolerantes à glicose e também mais sensíveis às ações da insulina, antes prejudicada pela obesidade - resultando em uma queima calórica mais eficiente.

7 de set. de 2010

Atividades físicas saciam fome em casos de obesidade e sobrepeso

Pesquisa da FCM será publicada em periódico americano de alto impacto
Por: ISABEL GARDENAL
bel@unicamp.br

Enquanto se estudam ações para combater a obesidade mundial­mente – que já atinge mais de 1 bilhão de pessoas com sobrepeso e cerca de 300 milhões com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 30, segundo dados recentes da Organi­zação Mundial da Saúde – uma nova pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) dá um passo além no conhecimento que se tinha na relação entre atividade física e perda de peso.

Acreditava-se que o exercício poderia contribuir para a prevenção e o seu tratamento porque fazia o sujeito aumentar o gasto energético e, em consequência, perder peso. A investigação, do educador físico e pós-doutorando Eduardo Rochete Ropelle e colaboradores, apontou que a atividade física também diminui a ingestão alimentar em situações de sobrepeso e obesidade. Este trabalho será publicado pela primeira vez por pesquisadores brasileiros na revista PLoS Biology, periódico americano de alto impacto, considerado o me­lhor do mundo na área de Biologia.

O artigo consta dessa edição junta­mente com um editorial comentando o tema. Ropelle esclarece que o trabalho, que mantém vínculo com o Instituto Nacional de Obesidade e Diabetes, foi totalmente produzido no Brasil e ide­alizado na FCM. Foi desenvolvido no Laboratório de Oncologia Molecular da Unicamp e orientado pelo professor José Barreto Campello Carvalheira, docente do Departamento de Clínica Médica e atual coordenador da Comis­são de Pós-Graduação da Faculdade.

Os novos achados mostraram um outro lado dos exercícios físicos até então não explorado, o que representa uma mudança de paradigma na fisiolo­gia do exercício, enfatiza o professor Cavalheira. A ideia, opina Ropelle, é que o sujeito com descontrole no seu hábito alimentar frequente um programa de atividade física e volte a comer de forma equilibrada. “Ele gastaria energia e adequaria a sua dieta comendo menos. Apesar dos experimentos serem com animais, algumas pesquisas demonstraram que sujeitos sedentários, com so­brepeso, quando engajados num programa de atividade física, têm alteração no padrão de alimentação.”

O Laboratório de Oncologia Mo­lecular trabalha com o controle da ingestão alimentar e câncer, local onde Ropelle e Carvalheira conceberam o projeto. O background desta pesqui­sa, verifica o educador físico, é que a obesidade é um problema de saúde pública mundial e está associada a doenças como o diabetes, o câncer e a hipertensão, entre outras, sendo o controle da ingestão alimentar, por supremacia, um aspecto central. “Se as pessoas consomem mais energia do que gastam, ganham peso e isso cronicamente pode trazer repercussão negativa. E o hipotálamo é a princi­pal estrutura do cérebro responsável pelo controle da ingestão alimen­tar e do gasto energético”, sugere.

Na obesidade, a ingestão crônica de ácidos graxos saturados (gorduras encontradas em carne) interfere nos neurônios hipotalâmicos, levando à sua inflamação e reduzindo a res­posta anorexigênica. Assim, aquele neurônio que faz o sujeito parar de comer sofrerá falhas em algumas transmissões, passando a comer mais. Fato é que o controle da ingestão alimentar é desempenhado a priori por dois hormônios – a insulina e a leptina. Logo, quando tal inflamação é mediada pelo consumo excessivo de ácidos graxos, a insulina e a lep­tina não funcionam adequadamente.

Na verdade, os ácidos graxos po­dem conduzir à inflamação subclínica de baixo grau. Por isso não permitem que o neurônio reconheça bem esses hormônios, os quais fazem diminuir a ingestão. Contudo, o pesquisador garante que há estratégias que melho­ram o controle da ingestão alimentar, reconduzindo a sensibilidade da insulina e leptina. “A atividade física é uma ferramenta para reverter essa sensibilidade, como já demonstramos em músculos e outros tecidos”, conta.

Ao questionar se o mesmo ocor­reria no Sistema Nervoso Central (SNC), o próximo passo de Ropelle foi adotar modelos de obesidade induzida por dieta rica em gordura, em animais. O resultado foi que eles ficaram obesos e, em alguns casos, chegaram a progredir para diabetes. A seguir, avaliou-se como estava o seu SNC e a sua sensibilidade hormonal em resposta ao exercício físico. “O exercício promoveu uma atividade anti-inflamatória no neurônio e elimi­nou a inflamação, melhorando a ação dos hormônios neste tecido”, revela. Na pesquisa, foram adotados protoco­los de natação e de esteira, exercícios aeróbicos com intensidade moderada.

Moderação
Ropelle comenta que, caso um sujeito que passou grande parte de sua vida de modo sedentário seja inserido num programa de atividade física, é recomendável iniciá-la com cautela e, se possível, com orienta­ção especializada. A regularidade deve ser no mínimo de três vezes por semana, com duração entre 30 e 60 minutos, aumentando gradativamente a sua frequência e o tempo das ses­sões, que pode chegar a 90 minutos.

Os dois tipos de exercícios, relata ele, produziram o mesmo efeito, com a ressalva de que a redução da in­gestão alimentar somente aconteceu nos animais obesos. Isso porque a verificação dos mesmos exercícios também foi feita em animais magros, os quais não apresentaram alteração da ingestão alimentar. “Isso indica que diferentes tipos de exercícios são capazes de reverter a ação ne­gativa dos ácidos graxos no SNC.”

O pesquisador aborda a maior eficácia dos exercícios aeróbicos prolongados para perda de peso que os resistidos (de musculação), ainda que reconhecendo os seus benefícios à saúde. “O que se fala de exercício físico, perda de peso, condicionamento físico e promoção de saúde demanda­ria a sua combinação. Seria o ideal.”

Ao pensar no controle do peso como uma balança, exemplifica ele, de um lado está o gasto energético, que é promovido pela atividade física diária, e do outro lado o consumo de calorias, obtidas através da alimentação. “Se as pessoas consomem mais que gastam, há ganho de peso; e se gastam mais do que consomem, perdem peso”, sa­lienta. Achava-se que a atividade física agia unicamente no gasto. Demons­trou-se que, além de gastar energia, ela modula o outro lado da balança, fa­zendo com o que sujeito coma menos.

A pesquisa de Ropelle propõe um mecanismo de ação do exercício. Sucintamente, é sabido que a atividade física aumenta os níveis séricos e teci­duais da proteína interleucina 6 (IL6) durante a contração muscular. Isso tam­bém acontece nos neurônios. Os testes apontaram que os animais, depois dos exercícios, tiveram uma produção neuronal de IL6 muito acentuada.

Essa proteína atuou no SNC ativan­do uma via anti-inflamatória através da modulação da proteína IL10, um potente anti-inflamatório. Todo aquele processo inflamatório causado pela ingestão de ácido graxo saturado, em razão da obesidade, foi reduzido no neurônio através da IL10. Ou seja, ela diminuiu a resposta inflamatória e isso fez com que a insulina e a leptina voltassem a agir normalmen­te, reduzindo a ingestão alimentar.

Além de realizarem exercício físico e terem a IL6 e a IL10 aumen­tadas no hipotálamo, nos animais obesos sem exercício foi injetada a IL10 direto nos seus hipotálamos. O efeito foi idêntico: a atividade anti-inflamatória de IL10 foi responsável por melhorar a ação da insulina e da leptina e reduzir a ingestão alimentar.

Uma outra abordagem consistiu em obter animais transgênicos (aqueles que tiveram seu patrimônio genético altera­do com a introdução de genes de outras espécies que não a sua) que não produ­ziam nem a IL6 e nem a IL10. “Neste caso, o exercício físico já não fez mais este efeito. Ficou claro que o exercício precisa da ação IL6 e da IL10 para tor­nar os neurônios novamente sensíveis à insulina e leptina, além de reduzir o apetite”, comenta o pesquisador.

Ropelle estuda a obesidade e os exercícios associados desde a sua espe­cialização em Fisiologia do Exercício. Formado em Educação Física pela PUC-Campinas, ele chegou à Uni­camp para fazer o mestrado. Foi leva­do ao Laboratório de Oncologia Mole­cular, onde obteve um apoio particular do médico José Barreto Campello Carvalheira, que se tornou seu orien­tador. O educador físico enveredou no mestrado, e também no doutorado, para o controle da ingestão alimentar e a anorexia pelo câncer, temas ana­lisados pelo professor Carvalheira.

No mestrado, avaliou o controle da ingestão alimentar em ratos com anorexia. O objetivo era estudar a proteína AMPK no hipotálamo. Os primeiros estudos mostraram que a sua modulação no órgão era capaz de reverter a anorexia do câncer e aumentar a sobrevida. Segundo ele, a anorexia, aspecto comum na do­ença, acomete cerca de 60% a 80% dos pacientes, sendo 80% em fase terminal e estando diretamente ligada a pior prognóstico e mortalidade.

No estudo, concluiu que, quando o câncer está em estágio avançado, cujo paciente já mostra anorexia, há uma modulação negativa desta proteína. Com base em abordagens farmacoló­gicas e genéticas, foi possível mudar o quadro, aumentando a atividade dessa proteína durante a anorexia. O resultado foi encorajador: “o animal estudado comeu mais e viveu mais”.

No doutorado, o pesquisador tra­balhou com câncer no mesmo sentido mas, em vez de avaliar a proteína AMPK, passou a explorar a proteína PTP1B. Averiguou que ela também tem uma importância significativa no desenvolvimento da anorexia. De igual modo, quando modulada a ati­vidade desta molécula, conseguiu-se ampliar a sobrevida dos animais. Em alguns casos, ao receber o diagnós­tico de câncer, o paciente já possui anorexia (inapetência). Entretanto, frequentemente ela ocorre num está­gio mais avançado da doença. “Se for possível regular a ingestão alimentar, alguns estudos já apontam melhora do prognóstico e ampliação da so­brevida desse indivíduo”, informa.

Se o sujeito é inserido em progra­ma regular de atividade física, pontua Ropelle, se controla o peso corporal e a ingestão alimentar, a chance de desenvolver algum tipo de neoplasia é significativamente reduzida. “A relação que está se estabelecendo entre excesso de peso e câncer não se estudava, e hoje é sabido que há uma associação muito estreita.”

*Reportagem originalmente publicada em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2010/ju472pdf/Pag03.pdf

Artigos
􀂄 Ropelle ER, Flores MB, Cintra DE, Rocha GZ, Pauli JR, Morari J, Souza CT, Moraes JC, Prada PO, Guadagnini D, Marin RM, Oliveira AG, Augusto TM, Carvalho HF, Velloso LA, Saad MJA, Carvalheira JBC. IL-6 and IL-10 Anti-Inflammatory Activity Links Exercise to Hypothalamic Insulin and Leptin Sensitivity through IKK and ER Stress Inhibition. PLoS Biology. 2010 Aug 8(8).
􀂄 Flores MB, Fernandes MF, Ropelle ER, Faria MC, Ueno M, Velloso LA, Saad MJ, Carvalheira JB. Exercise improves insulin and leptin sensitivity in hypothalamus of Wis­tar rats. Diabetes. 2006 Sep; 55(9):2.554-61.
􀂄 Ropelle ER, Pauli JR, Zecchin KG, Ueno M, de Souza CT, Morari J, Faria MC, Velloso LA, Saad MJ, Carvalheira JB. A central role for neuronal adenosine 5’-monophosphate-activated protein kinase in cancer-induced anorexia. Endocrinology. 2007 Nov; 148(11):5.220-9.

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